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Netmundial: 10 anos depois
Marta Moreira Dias
Vogal do Conselho Diretivo do .PT
07-05-2024
Netmundial: 10 anos depois
A Netmundial+10 decorreu entre os dias 29 a 30 de abril de 2024, mas a semente tinha sido deixada há 10 anos e deu então origem, nomeadamente, e circunscrita à geografia brasileira, ao Marco Civil da Internet, materializado num diploma central que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação a essa mesma matéria. Daqui saiu uma declaração enfatizando o papel do modelo multistakeholder como ponto de partida para a governação da Internet, onde diversos stakeholders como o governo, a sociedade civil, a academia, o setor privado e a comunidade técnica deveriam participar de forma igualitária e, refira-se, sempre dentro daquilo que são as suas competências e particular área de atuação.

Muito mudou na década que se seguiu, novas tecnologias emergiram muito impulsionadas pelo gatilho da inovação. Inteligência artificial, blockchain,  cloud, IoT,  Web 3, robótica, são disso exemplo. A cibersegurança, a privacidade e a proteção de dados passam a ecoar como prioridades dos Estados, pessoas e organizações, sobretudo quando nos movemos no mundo digital. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada por todos os Estados-Membros das Nações Unidas em 2015, e em vigor desde 2016, veio definir as prioridades para o desenvolvimento sustentável, procurando mobilizar esforços globais em torno de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). 
 
A proposta do Secretário-Geral da ONU para um Pacto Digital Global (GDC), lançada em setembro de 2021, está prestes a ser discutida na Cimeira do Futuro da ONU. O draft inicial do documento que será objeto de discussão já foi publicamente divulgada e está agora sob o olhar atento e escrutinador dos stakeholders envolvidos. 

Adicionalmente, através da Resolução A/RES/70/125, foi solicitado à Assembleia Geral da ONU que realizasse uma Reunião de Alto Nível (High Level Meeting) em 2025, para fazer um balanço do progresso e dos resultados alcançados nos 20 anos de vida do WSIS (World Summit on the Information Society), discussão que incluirá a possível, e tão desejada, quarta renovação do mandato do IGF (Internet Governance Forum).
  
O momento da NetMundial não podia, pois, ser mais oportuno. Este terá sido o primeiro ponto a favor, mas há muitos mais. O Comité Gestor da Internet do Brasil (CGI) que, entre outras competências gere o ccTLD .br, conseguiu trazer a São Paulo representantes de todo o mundo dos diversos stakeholders interessados, conduziu a sessão maioritariamente - garantindo a devida tradução – na língua materna, o português. Num momento onde se discute a importância do multilinguismo na Internet, desde logo como instrumento poderoso de inclusão digital e social, tal opção não pode deixar de ser aplaudida. O longo documento final apresentado, e já de conhecimento público, foi discutido em plenário da primeira à última linha, e está dividido em quatro capítulos, a saber: 1. Desafios à governação da Internet e aos processos de política digital; 2. Princípios para a governação da Internet e processos de política digital; 3. Adoção do modelo multistakeholder e melhoramentos dos processos multilaterais; 4. Contributos para os processos em curso. 

Do documento ressaltam algumas conclusões imediatas. Desde logo a clarificação de conceitos e hipotéticas dicotomias muitas vezes trazidos à discussão sem a perceção concreta do seu real alcance. Referimo-nos em concreto a governação da internet/governação do digital; abordagem multilateral/abordagem multistakeholder; alcance do princípio "equal footing”, em tradução livre, igualdade de circunstâncias; âmbito e significado do consenso no processo decisional, entre outros.   

Na redação, e até de forma bastante pragmática, acaba por se combinar os conceitos de governação da internet e de políticas do digital, não deixando de os segregar. Esta opção, supostamente inovadora, é discutível para alguns que ressaltam o facto de no documento que resultou, já em 2005, da Agenda de Tunes, a definição de governação da Internet ser suficientemente ampla para incluir o que hoje, de forma holística, qualificamos como digital. Somava-se a este argumento o facto de com isto se poder estar a, de alguma forma, incentivar a duplicação desnecessária de novos fóruns no radar do digital. Este último argumento mereceu contraditório de alguns invocando que mais importante do que não criar estruturas adicionais é não duplicar esforços e responsabilidades. 

Os riscos crescentes associados aos desequilíbrios de poder, não só entre stakeholders diferentes, mas também no seio do mesmo setor onde a discussão entre o desfasamento entre o norte global e o sul global (na classificação da UNCTAD) foi repetida, levou à identificação de desafios como a da inclusão digital e dos tão necessários "engajamentos” e coordenação transversal, para fazer face a silos onde o diálogo e o consenso não são possíveis.

O documento que resultou como outcome da Netmundial+10, identifica princípios e faz um mapeamento possível sobre o que deve ou pode ser a governação da internet e do digital, e deve ser visto como um guia, um caminho possível a seguir pelos processos que estão a ser conduzidos pelas Nações Unidas no contexto do GDC e do WSIS+20. Foi mais um, dos muitos, exemplos do modelo multistakeholder a funcionar. Continuaremos atentos.



Nota: os artigos deste blog não vinculam a opinião do .PT, mas sim do seu autor.
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